Crítica y Resistencias. Revista de conflictos sociales latinoamericanos

N° 3. Año 2016. ISSN: 2525-0841. Págs. 105-123

http://criticayresistencias.comunis.com.ar

Edita: Colectivo de Investigación El Llano en Llamas

O processo de monopolização e valorização do solo urbano em Vitória da Conquista-BA: contradições na cidade do capital[1]

The process of monopolization and valorization of urban land in Vitória da Conquista-BA: contradictions in the city of capital

Marília Faria Chaves[2]

Resumo

Na cidade se realizam todas as contradições do capital, nela se concretizam os planos de circulação e especulação, muitas crises vivenciadas na história foram/são urbanas justamente porque a especulação gerada que altera o valor de uso e o torna valor de troca faz do espaço urbano também uma mercadoria. A história da expansão urbana de Vitória da Conquista se confunde com a história do capital imobiliário na cidade e o aumento populacional, essa expansão ocorre com a fragmentação das propriedades rurais e o surgimento dos loteamentos na primeira metade da década de 1950. O presente artigo teve como objetivo analisar as implicações do processo de apropriação privada do solo urbano, bem como a sua monopolização, tendo como lócus os Bairros Universidade e parte do Candeias, além disso, verificar como se dá a transformação da terra em mercadoria e os instrumentos do Estado para criar as possibilidades para regulamentação e monopolização das terras urbanas. Pôde-se perceber que o Estado está em constante consonância com os sujeitos que produzem o espaço, e usa de “manobras” e instrumentos para perpetuar a desigualdade socioespacial, interferindo no direito à urbanidade da classe trabalhadora.

Palavras chave: Cidades, Monopólio de terra, Renda da terra.

Abstract

In the town are held all capital contradictions, it is materialized the circulation plans and speculation, many experienced crises in history were / are urban precisely because the generated speculation that changes the use value and exchange value makes it is the urban space also a commodity. The history of urban sprawl of Vitoria da Conquista is intertwined with the history of real estate capital in the city and the population growth, this expansion is the fragmentation of farms and the emergence of allotments in the first half of the 1950s. This article aims to analyze the implications of private appropriation of urban land, as well as their monopolization, and as a place the Neighborhoods University and part of Candeias, also check how is the transformation of land into merchandise and state instruments to create the possibilities for regulation and monopolization of urban land. It could be perceived that the state is in constant harmony with the people who produce the space, and uses of "maneuvers" and instruments to perpetuate socio-spatial inequality, interfering with the right to urbanity of the working class.

Key words: Cities, Land monopoly, Land income.

1.0 Introdução

O espaço é um produto concreto das relações sociais historicamente construídas, tendo o trabalho como atividade mediadora da produção/reprodução desse espaço. O espaço produzido pelo capital “ele próprio tornado mercadoria, faz a produção do espaço um pressuposto, condição e produto da reprodução social” (CARLOS, 2011:p.141).

Considerando a discussão sobre a questão urbana, a expansão da cidade e o monopólio de terras, sob o juízo da propriedade privada, como forma de obtenção de renda, surgem os questionamentos sobre a forma com que o Estado subsidia esse monopólio, que instrumentos utilizam para auferir renda e manter sob o controle do espaço urbano infundindo suas contradições para manter a reprodução ampliada do capital. E como a terra urbana se transforma em mercadoria.

O presente artigo faz parte de uma pesquisa monográfica que teve como objetivo analisar como esse processo de produção do espaço urbano pautado na apropriação privada do solo e na monopolização dessas terras, interfere na relação social do sujeito que produz o espaço, mas não se apropria dele.

O Brasil é líder em concentração de terras, fator histórico ainda longe de ser corrigido. Esta concentração fundiária está relacionada com a maioria das violações, por representar a origem das desigualdades sociais e econômicas não somente no campo, mas também nas cidades.

O Brasil é considerado um celeiro mundial, com uma das maiores taxas de produtividade agrícola do mundo, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), uma produção brasileira Produção agrícola alcançou 183,9 milhões de toneladas em 2016, no entanto essa produção agrícola não é capaz de suprir as necessidades básicas alimentares da população brasileira, pois o monopólio da terra, entre outros problemas, impede que outros setores econômicos se desenvolvam, gerando desemprego, estimulando a migração e a submissão de trabalhadores a condições degradantes.

Os estudos sobre o monopólio e a renda da terra iniciaram-se com autores clássicos como Adam Smith (1776), David Ricardo (1817) e Karl Marx (1844), no entanto, estes estudos referiam-se à terra agrícola. Segundo Paes Barreto (2013) a Teoria geral da Renda da Terra (TGRT) passou a ser analisada no âmbito urbano a partir da década de 1970 com Christian Topolov, na Universidade de Paris. No momento de crise urbana que autores como Alquier, Lojkine, Lipietz iniciaram os estudos sobre a renda do solo urbano, com algumas limitações

“Estos trabajos mostraron limitaciones, pero también hicieron contribuciones importantes a la comprensión de estos fenómenos […] Lo más importante, sin embargo, es que el grado de elaboración muy incipiente no permitía delimitar y menos explicar las principales prácticas presentes en los mercados inmobiliarios urbanos, y por lo tanto, su papel se limitaba a redireccionar la interpretación más global, pero no aportaban mucho para orientar prácticas específicas, ni para proponer instrumentos de acción, etcétera. Una muestra de esto es que el objeto de la mayoría de estos intentos apunta a proponer líneas de indagación para entender la formación de precios del suelo, pero casi nada sobre su operación” (JARAMILLO, 2010:p.9).

Fazer esta transposição da Renda da Terra nos autores clássicos para o urbano fragilizaram alguns autores. Na América Latina, Samuel Jaramillo iniciou a transposição da temática na década de 1970.  Jaramillo critica que na América Latina a análise tem uma herança no urbanismo funcionalista de La Corbusier. No Brasil, investigadores como Martim Smolka (1980) se destacam, no entanto a discussão da temática na Ciência geográfica ainda é parca, atualmente Ricardo Dualde (2009) e Paes Barreto (2013) entre outros adentraram na análise da TGRT e sua análise urbana, desta forma faz-se mais que necessário continuar a discussão sobre esta temática complexa e importante para os estudos urbanos.

A cidade de Vitória da Conquista é uma cidade média brasileira possui população estimada em 346.069 habitantes, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) 2016, e dista 512 km. da capital do Estado da Bahia, Salvador.

Observando a expansão da zona leste da cidade de Vitória da Conquista- BA, intensificada pela clara valorização induzida do solo urbano propõe-se investigar como essa realidade têm se concretizado em especial no Bairro Universidade e parte do Bairro Candeias (limite do INOCOOP II).

A pesquisa foi realizada, a priori de forma documental, com visita ao Museu Regional, para analisar as bibliografias que dessem respaldo à análise do processo histórico de ocupação e uso da área lócus, em especial o jornal Fifó. No intuito de desvendar como ocorreu e o ocorre processo do monopólio das terras urbanas em Vitória da Conquista, nos últimos anos, foi realizada uma pesquisa de campo, em que se realizou a investigação junto à Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista (PMVC), à Secretaria Municipal de Habitação, também ao Cartório de Registro de Imóveis 2º Ofício para averiguar quem detinha as propriedades da área selecionada, para assim verificar a apropriação privada individual e monopolizada das terras.

Para verificar a espacialização foi feito o mapeamento dos loteamentos, regularizados pela Prefeitura bem como uma análise de imagens satélites dos anos de 2003, 2008, 2010 e 2012, para verificar as alterações espaciais no bairro.

O exame dos elementos elevou a interpretação dos dados que configuram a temática da pesquisa. Assim, a análise metodológica feita partindo dos princípios marxistas na análise do espaço urbano, que aparece nas obras de Lefebvre (1972; 2001;) Carvalho (2012); Harvey (2011); Carlos (1994); Ferraz (2001); Topolov (1984); Lojkine (1979); Paes Barreto (2013); Smolka (1987); entre outros, além de autores que fundamentaram a teoria da renda da terra e a propriedade privada como Marx (1869; 1982; 2006; 2012) e Engels (1985; 1980; 2010). O Materialismo Histórico e Dialético é fundamental para análise e compreensão das contradições que estão justapostas e sobrepostas no desenho da cidade e nas relações da vida urbana.

Salienta-se a tarefa desafiadora que é estudar a complexidade da produção espacial urbana, que carrega suas contradições e encantamentos verdadeiros e produzidos por interesses capitalistas. A cidade seduz ao mesmo tempo em que ela favorece as condições para a luta direta contra o capital, pois nela suas contradições se fazem mais presentes e escancaradas.

2.0 O processo de valorização e monopolização em Vitória da Conquista- BA

A cidade brasileira, Vitória da Conquista desde muito cedo, possui uma integração forte com os municípios circunvizinhos, sua localização ‘privilegiada’ permitiu que desde a abertura das suas primeiras ruas, ainda no entorno do Rio Verruga admitiu acesso aos municípios da região. Segundo dados históricos do município, disponíveis no IBGE Cidades, em 1920 Vitória da Conquista já era considerada uma cidade grande, dezesseis distritos já estavam integrados à sede e a cidade se destacava pelo comércio de produtos agrícolas e pecuários.

A partir da década de 1960, início de 1970, o desenvolvimento se acelerou com a abertura de rodovias importantes como a BR 116, interligando o Nordeste do País ao Centro-Sul e a BA 262 no sentido Leste – Oeste do Estado, além da implantação da cafeicultura e a indústria de transformação. O polo cafeeiro foi responsável por um grande dinamismo da economia regional, o que se refletiu no aumento substancial da população do município, no crescimento e diversificação do comércio e das atividades de prestação de serviços. No entanto, o crescimento da cidade ocorreu de forma desordenada, o que redundou na insuficiência de equipamentos sociais básicos, para a maioria da população.

Localizada no Sudoeste da Bahia (fig. 01), Vitória da Conquista é, hoje, o terceiro município do Estado em população.Caracteriza-se por possuir um clima semiárido e tem centralizado um dinamismo na região sendo influente no comércio, acelerando o crescimento, aumentando o problema de moradia e intensificando os contrastes e o choque entre as classes sociais, fator que pode ser observado na maioria das cidades médias do país.

Figura 01: Cartograma de localização de Vitória da Conquista-BA. Ano 2012

Segundo os dados do IBGE a população estimada para 2016 é de 346.069,89, 6% residem em áreas urbanas e apenas 10,4% em área rural o que demonstra a intensa concentração populacional na urbe, como na maioria das cidades brasileiras. Essa expansão ocorre com a fragmentação das propriedades territoriais e o surgimento dos loteamentos na primeira metade da década de 1950, como forma de atender à grande demanda populacional urbana que salta de 8 644 habitantes em 1940 para, impressionantes, 85 959 habitantes em 1970.

No entanto, esse crescimento acelerado trouxe consigo o empenho dos proprietários de terra em expandir seus negócios, inicia-se o comércio de terras, as fazendas deram lugar aos loteamentos. Os primeiros loteamentos surgiram sem regularização jurídica, a preços baixos, o que atraíam os compradores, a priori, aos ditos ‘loteamentos populares’, que mais tarde seriam destinados às classes média e alta. A irregularidade dos loteamentos contava com o interesse do município no crescimento da cidade, quando os loteamentos começaram a ser aprovados, a maior parte deles, foi implantada sem nenhuma infraestrutura.

A partir de 1977 as consequências da expansão monopolizada em Vitória da Conquista- BA começam a surgir e os “vazios urbanos” são formados. O caos ordenado da cidade capitalista começa a apresentar suas desigualdades. A infraestrutura diferenciada dos bairros e loteamentos determinam os segmentos de qual população, qual classe deve se beneficiar da infraestrutura básica implantada pela prefeitura, como asfaltamento, esgotamento sanitário, iluminação entre outros. O Plano Diretor Urbano (PDU) de Vitória da Conquista de 2004 denuncia as áreas rarefeitas.

“[...] a cidade de Vitória da Conquista se desenvolveu de forma radial, porém com a implantação de frentes de urbanização de forma descontinua, gerando grandes vazios urbanos intersticiais. São glebas e terrenos espalhados em todo o território da cidade, demonstrando, de forma inequívoca, os saltos das frentes de urbanização na cidade. Partindo do centro da cidade em direção ao eixo viário da Av. Juracy Magalhães, observa-se um espantoso espraiamento da mancha urbana, imensas áreas desocupadas ou ocupadas de forma rarefeita em contraponto com a ocupação densificada de loteamentos localizados fora do Anel Rodoviário, no denominado Bairro Espírito Santo. Este Vetor de Expansão Sul é o que apresenta a maior quantidade de vazios urbanos, e, portanto, a maior capacidade de absorção de população” (Relatório do PDU de VC – BA, 2004, V. 1 p.39).

O que se observa atualmente é uma grande expansão espacial no sentido sul, justamente em direção às imensas áreas antes desocupadas. Este processo de ocupação dessas áreas se deu, principalmente com investimentos do estado e município nas vias de acesso como a duplicação da Avenida Juracy Magalhães, bem como o investimento privado de equipamentos como o Shopping Conquista Sul, Casa de eventos, bancos, além dos grandes empreendimentos imobiliários, e mais recentemente o Projeto de Habitação do Governo Federal, Minha Casa, Minha Vida.

A especulação imobiliária visando o lucro e o acúmulo da renda da terra se opõe ao direito à cidade, ao direito a apropriar-se do espaço, e Vitória da Conquista não foge a essa lógica capitalista. O objetivo (no que diz respeito à teoria) da legislação com a utilização dos instrumentos urbanos, para o planejamento e gestão, é a superação dos problemas, a equidade no direito à cidade e à qualidade de vida. A legislação aponta característica que impedem que a produção do espaço urbano promova a desigualdade socioespacial, a injustiça como aponta a Lei nº 10.257

“Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. [...]” (Constituição Federal Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Arts. 182 e 183).

No entanto, na prática acontece bem diferente, o ‘direito a cidade’ descrito pela Reforma Urbana cria espaços rarefeitos em detrimento das necessidades da população trabalhadora, à espera dessa valorização. Além dessa, a Lei do Zoneamento que objetiva dirigir ordenadamente o solo urbano, colabora para a ação dos capitalistas. Nesse mesmo contexto se dá a expansão urbana na cidade com a edificação dos conjuntos habitacionais, a cidade torna-se alvo dos programas para ‘habitação popular’, a exemplo dos Conjuntos Habitacionais de Orientação das Cooperativas (INOCOOP), que contraditoriamente não garantiram o acesso à população operária por não possuírem as condições econômicas exigidas, ficando assim destinado às classes médias e altas que adquiriram e usufruíram dos INOCOOPs.

Em meados da década de 1980 parte dessa população pobre de Vitória da Conquista, cansada da exclusão dos programas de habitação popular, inicia o movimento de ocupação de áreas urbanas a fim de exigir e pressionar o governo municipal a estabelecer uma política que lhes garantisse o acesso à moradia prioritariamente. E em 1991 atendendo às pressões populares é promulgada a Lei 570/91 do Programa Municipal de Habitação Popular (PMHP) com o intuito de construir habitações destinadas à população em situação de desemprego e subemprego. Deste Programa foram instituídos 13 assentamentos urbanos.

A produção do espaço urbano conquistense e atuação dos promotores imobiliários estão integradas, as estratégias capitalistas foram (e continuam) definindo e acentuando as contradições e as desigualdades sociais, uma vez que estes vão diferenciar os segmentos da população que irão ocupar determinada parcela do solo e dessa forma serão definidas o que são ‘áreas elitizadas’, para a classe média e ‘áreas populares’, para classe operária na configuração da cidade. Na TGRT em Marx, a renda da terra era o monopólio de classe, a classe dos senhores feudais.

“[...]A análise da agricultura capitalista inglesa, funcionando nessas condições, permitiu-lhe chegar à conclusão de que, no balanço da economia como um todo, a renda da terra representava uma parte do trabalho social, que ao invés de compor o montante de lucro a ser dividido entre os capitalistas, era apropriada pela classe dos senhores de terra. Tal conclusão pressupunha a existência de três classes sociais: os proprietários da terra; os capitalistas arrendatários dos terrenos e os donos dos demais meios de produção; e os operários assalariados explorados pelos capitalistas” (PAES BARRETO,2013:p.32).

Na sociedade capitalista, o Capitalista passa a controlar a produção com a propriedade dos meios de produção, exceto da terra, e a exploração do trabalhador, como aponta Paes Barreto. A terra não mais representa a existência de uma classe social, mas o direito jurídico à propriedade privada, torna a terra uma mercadoria. E nesta nova configuração novos sujeitos surgem em convergência os proprietários de terra, os promotores imobiliários, a indústria de material de construção além do Estado, que com ação correlacionada se utiliza dos instrumentos urbanos para favorecer a expansão da cidade do capital.

Ferraz confirma a atuação dos sujeitos juntamente com o poder municipal na configuração do espaço e na reprodução das desigualdades desde os primeiros loteamentos “são os propósitos dos loteadores que vão definindo a configuração territorial de Vitória da Conquista” (FERRAZ, 2001:p.99). Em sua maioria os proprietários-loteadores só precisavam ter a propriedade da terra para lotear, toda infraestrutura ficava a cargo da Prefeitura que, interessada na expansão da cidade, liberava a formação dos loteamentos. E, ainda que sem a devida estrutura, os proprietários-loteadores configuravam um padrão de dimensões e preços definidos que se destinava à classe média e alta.

Assim, “sob a forma da renovação urbana, as transformações necessárias para a reprodução do capital aparecem travestidas de necessidade social imposta pelo Estado enquanto “interesse público, criando a representação necessária capaz de dissimular os conflitos de interesses” (CARLOS, 2007:p.76 – grifo da autora).

O espraiamento urbano que caracteriza a expansão de Vitória da Conquista e a rápida valorização de terras despertou o interesse no estudo que deu origem a este artigo, considerando a produção do espaço capitalista e a acumulação do capital pela propriedade privada e monopolização de terras urbanas.

A exemplo os bairros Universidade e Candeias figuram o processo latente de transformação de terras rurais em urbanas. Tal expansão urbana vem acontecendo, de forma muito rápida nos últimos dez anos. A área pertencia à zona rural de Vitória da Conquista, próximo ao núcleo urbano, a Fazenda Candeias. O Sr. Jorge Teixeira, engenheiro agrônomo de uma família rica e influente na cidade de Santo Amaro (BA), mudou-se para Vitória da Conquista na década de 1940, onde adquiriu muitas terras. Ele era o proprietário de 84 alqueires de terra (o equivalente a 8,13 km²), inclusive a Fazenda Candeias. Com o aumento da especulação imobiliária e a progressiva expansão da cidade, a partir de 1950/1960, o interesse pelo comércio das terras cresceu e com ele o ‘concubinato’ entre poder municipal e loteadores, o primeiro pela expansão da cidade e o segundo pela valorização de suas terras. Jorge Teixeira começou então a fazer parte dos loteadores, vendendo alguns lotes e doando outros para a Prefeitura Municipal.

“A urbanização confundiu-se com o loteamento, este filho espúrio do concubinato da Prefeitura com o especulador, que desumanizou esta São Paulo sem verdes e esta Copacabana sem espaços” (RAMALHETE apud MEDEIROS, 1978 - FiFó, p.9). No entanto, o “concubinato” entre a Prefeitura e os loteadores permitia à primeira a realização de obras de infraestrutura, imobilizando capital, enquanto os loteadores buscavam desenvolver estratégias para a valorização de suas terras, como a doação de seus lotes para as ordens religiosas, para o município. As negociações continuaram com o Governo do Estado da Bahia e as áreas da Empresa Baiana de Saneamento (EMBASA) a área onde foi construída a Escola Agrotécnica Sérgio de Carvalho, atual Centro Territorial de Educação Profissional (CETEP) e a UESB também fizeram parte das negociações desse mercado de terras. Posteriormente as negociações foram feitas com as construtoras e Jorge Teixeira vendeu suas terras, onde foram construídos os loteamentos BNH, URBIS I, INOCOOP I e II e a Morada do Bem-querer (Fig.: 02).

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Figura 02: Mapa de loteamentos implantados em Vitória da Conquista - BA até o ano de 2006.Fonte: Ferraz, A. Emília. 2001. (modificado - destaque terras de Jorge Teixeira).

Esses loteamentos, em princípio, seriam destinados à população trabalhadora, mas

“de loteamentos populares, o empreendimento saltou para loteamentos só acessíveis às classes média e alta. Aliás, alguns loteamentos resolveram ser "seletivos", aumentando artificialmente o preço da terra. Tal fato não quer dizer que deixaram de ser requeridos loteamentos proletários e abertos novos desta categoria” (MEDEIROS, 1978:p.9).

Para os proprietários de grandes glebas, o importante é a valorização das áreas próximas. Não há interesse em implantação de habitação popular, que estão fora do padrão estabelecido. Os capitalistas e o poder municipal também têm interesse em valorizar essas áreas, pois terá uma arrecadação de mais-valias maior como mostra o Código Tributário Municipal nº 1.259 de 23.12.2004 Art. 173:

- A avaliação dos imóveis, para efeito de apuração de valor venal, será fixada pela Planta Genérica de Valores e Terrenos – PGVT e pela Tabela de Preços de Construção – TPC, estabelecidas pelo Poder Executivo. § 1º - A Planta Genérica de Valores de Terrenos, para efeito de estabelecer o valor do metro quadrado de terreno para cada face de quadra dos logradouros públicos, considerará os seguintes elementos:

I. Área geográfica onde estiver situado o logradouro;

II. Os serviços públicos ou de utilidade pública existentes no logradouro;

III. Índice de valorização do logradouro, tendo em vista o mercado imobiliário;

IV. Outros dados relacionados com logradouros.        

A cidade assume todas as contradições do choque entre classes antagônicas. E a busca pela maior obtenção de renda leva os capitalistas a desenvolverem técnicas que, cada vez mais, lhes darão lucros. A cidade do capital não está interessada na grande massa dos trabalhadores que não detém poder aquisitivo para se apropriar dela. Essa lhes servirá apenas para extração da mais-valia de sua mão de obra nas construções, nas valorizações induzidas. A organização da cidade é ontologicamente capitalista.

  1. 3.0 O Estado como outorgante da monopolização do solo urbano

A questão do Estado capitalista ganha evidência nas discussões atuais. Autores discutem a atuação, a permanência, a forma do Estado e busca-se todo tempo responder qual o “papel” do Estado capitalista. O Estado não está acima da sociedade, ele é a expressão de uma sociedade dividida em classes, e de forma ideológica se apresenta como mediador do conflito dessas classes antagônicas, favorecendo a exploração da classe dominante sobre a classe trabalhadora e sob esse “papel” o Estado cria instrumentos legais para a manutenção da propriedade privada, dos interesses econômicos da classe dominante. Ao analisar o surgimento do Estado, Engels conclui que:

“[...] uma instituição que não só assegurasse as novas riquezas individuais contra as tradições comunistas da constituição gentílica, que não só consagrasse a propriedade privada, antes tão pouco estimada, e fizesse dessa consagração santificadora o objetivo mais elevado da comunidade humana, mas também imprimisse o selo da propriedade, que se desenvolviam umas sobre as outras – a acumulação, portanto, cada vez mais acelerada, das riquezas -; uma instituição que, em uma palavra, não só perpetuasse a nascente divisão da sociedade em classes, mas também o direito de a classe possuidora explorar a não possuidora e o domínio da primeira sobre a segunda. E essa instituição nasceu. Inventou-se o Estado” (ENGELS, 1985:p.127).

O Estado através da propriedade privada cria porções de território e legitima o monopólio sob a terra, concentrada nas mãos dos capitalistas, detentores dos meios de produção e dos proprietários fundiários. A imensa concentração de terra existente no campo e na cidade pesa sobre a sociedade, sobre a grande massa de trabalhadores que sustentam, mantém o sobrelucro retirado pelos capitalistas fundiários, que detém o título de ‘proprietário’ sob a forma de renda. A situação da cidade, muitas vezes, reproduz a renda pré-capitalista apontada por Marx, em que o antigo monopólio feudal dá lugar ao monopólio capitalista e ambos coexistem em parceria. A ‘mercadoria terra’ vende-se em parcelas, que depende da localização e da valorização atribuída, fato que exclui a grande massa proletária de obter a terra. Os preços são exorbitantes e aumentam à medida da especulação e à medida dos investimentos feitos pelo Estado através de seus instrumentos reprodutores das desigualdades sociais. Por outro lado, Lênin aponta que:

“A maneira pela qual a revolução social resolverá essa questão não depende somente das circunstâncias de tempo e de lugar; liga-se, também, a questões que vão muito mais longe sendo uma das principais a supressão do antagonismo entre a cidade e o campo. [...] uma coisa é, incontestável: é que atualmente, nas grandes cidades, há imóveis bastantes para satisfazer as necessidades reais de todos, sob a condição de serem utilizados racionalmente. Essa medida só é realizável, bem entendido, sob a condição de expropriar os proprietários atuais e de instalar em seus imóveis os trabalhadores sem habitação ou vivendo atualmente em habitações superlotadas. Conquistado o poder político pelo proletariado, essa medida, ditada pelo interesse público, será tão facilmente realizável como as expropriações e sequestros de imóveis levados a efeitos atualmente pelo Estado” (LÊNIN, 2007:p.63).

Para Castells “a questão da moradia é a questão de sua crise” (CASTELLS, 2009:p.222), à grande classe operária falta conforto às condições não somente de habitação, mas também de apropriar-se da cidade, dos seus espaços. E o momento de crise atual só confirma essa questão do Capitalismo em que o capital migrou da produção para a especulação, uma das suas facetas de superação, no entanto a crise continua sendo estrutural, ou de exaustão, como apontam alguns teóricos, e não econômico-financeira.

A subordinação da cidade ao capital é histórica, a distribuição desigual, o parcelamento do solo desde o período feudal vem perpetuando as contradições da ocupação urbana. O direito sobre o solo é concedido àquele que detém o poder financeiro de adquiri-lo, a permissão para a exploração e acumulação que perpetua a propriedade privada. Somente com a extinção de toda forma de propriedade privada é possível extinguir as formas de monopólio. Não através do Estado capitalista que as coisas vão se realizar, por isso, a missão do operariado consiste em destruir a sociedade burguesa construindo outra sociedade, abolir o sistema alienante.

  1. 3.1 A valorização induzida e a recuperação da mais –valia estatal

O Bairro Universidade é um bairro recente, instituído oficialmente pela Lei n.º 798/95 e teve os limites alterados em 1998. A área como apresentado anteriormente apresentada pertencia a um particular que em acordo com o Poder público doou parte da terra e vendeu outra parte para o governo do Estado construir a UESB. Tudo começou em 1967, com a política de interiorização do Ensino Superior em que foram criadas as Faculdades de Formação de Professores de Vitória da Conquista e Jequié, mas que só começaram a funcionar em 1969, impulsionadas pelo Plano Integral de Educação do Estado. Em Vitória da Conquista, somente no ano de 1971 é que foram surgir os cursos pedagógicos de Letras, Estudos Sociais e Ciências. Reivindicada desde 1960 a UESB só se tornou realidade 20 anos depois, em 1980. O campus de Vitória da Conquista se mantinha distante do centro urbano da cidade, o acesso se dava pela Estrada do Bem-Querer km 4.

O acesso à UESB se deu pela Estrada do Bem-Querer durante muitos anos, e depois passou a ser realizado através da expansão da Avenida Olívia Flores, a partir de 2008. Com o advento da expansão urbana da Zona Leste, PMVC investiu na duplicação da Avenida Olívia Flores (Fig.: 03), entre o INOCOOP II e o acesso à UESB, com o intuito de melhorar a mobilidade e consequentemente aquecer o mercado imobiliário no bairro.

 

Figura 03: Avenida Olívia Flores, Bairro Universidade Vitória da Conquista BA - Antes e depois da duplicação, Anos 2006 e 2008.Fonte: PMVC, 2016.

O investimento na duplicação e ampliação da Avenida Olívia Flores favoreceu a valorização a atraindo os mais diversos equipamentos urbanos, como forma de antecipação espacial, ou seja, uma prática em que os investimentos são antecipados visando a exploração futura dos capitalistas. A área que teoricamente não possuía valor de troca passa ter com a pressão com os investimentos. E nesse caso o Bairro Universidade tornou-se uma área seletiva determinada a atender somente à classe ‘elitizada’, mantendo os padrões que já se seguem na zona leste e Bairro Candeias.

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Figura 04: Cartograma de localização dos Loteamentos do Bairro Universidade em Vitória da Conquista-BA.

Quando se utiliza do conceito de renda da terra de Marx, considera-se que o conceito para renda da terra foi aplicado ao campo em que na renda diferencial II (RD2), o que a determina é a quantidade de capital investido no solo através de equipamentos de irrigação e drenagem etc. Trata-se de um único processo produtivo, enquanto que na renda da terra urbana o processo é mais complexo, está relacionada ao processo de produção do espaço e os agentes que compõem esse processo. A relação do espaço que já está construído e que será aglomerado a este espaço para agregar valor de troca. O valor de troca da terra é agregado, conforme o investimento que se faz no solo para melhoria da localização para o mercado.

Com o investimento na duplicação da Avenida vieram outros investimentos públicos e privados. O Bairro Universidade teve um grande investimento do capital nos últimos dez anos. No investimento dos equipamentos privados já é possível observar e confirmar a manutenção do padrão da classe social pequena burguesa da área, como o Colégio Oficina e ao lado uma Academia de Ginástica, inaugurada em 2010. No loteamento Cidade Universitária também foi inaugurada a Casa de Eventos Arena Miraflores, capacidade para receber entre 20 e 30 mil pessoas.

Além dos equipamentos privados os investimentos nos equipamentos ‘públicos’ iniciaram com a instalação do Centro Municipal de Atendimentos Especializados (CEMAE) e Centro Municipal de Reabilitação Física – (CEMERF), ainda que destinado ao atendimento da população trabalhadora e moradora, em sua maioria, da zona oeste ou de outras cidades da região, foi instalado na área leste de expansão da cidade. Os investimentos do Estado continuam com a instalação da Universidade Federal da Bahia- UFBA, do Fórum da Justiça do Trabalho ambos no loteamento Caminho da Universidade, e do Tribunal Regional Federal 1ª região no loteamento Cidade Universitária.

“O Estado se utiliza de vários instrumentos para regulamentar o uso do solo urbano mantendo o seu controle sobre o espaço e a sociedade. O papel do Estado é decisivo, sua intervenção exclusiva acarreta transformações que alteram a renda da terra, não somente pelos investimentos da valorização induzida, mas, principalmente, as normas jurídicas fundiárias que são direcionadas à manutenção do monopólio capitalista em detrimento das necessidades da grande maioria da classe trabalhadora” (CHAVES, 2012:p.48).

Como aponta a RD2 o valor de troca foi logo agregado ao investimento feito no local, em 2009 foi lançado um Condomínio que assim como a maioria dos projetos dos promotores de venda “se apresenta como ocasião e local privilegiado: lugar de felicidade numa vida cotidiana miraculosamente transformada” (LEFEBVRE apud HENRIQUE, 2009:p.23).

Conforto, ótima localização, bem-estar, lazer e áreas verdes são os signos tecnificados, artificializados que se vendem. A própria natureza tornou-se congelada em cartões postais do senso comum, que esconde a verdadeira intencionalidade capitalista, a coisificação das necessidades humanas e os ‘muros verdes’ da desigualdade socioespacial. O Empreendimento foi lançado em 2009 e poucos meses após o lançamento foram vendidos todos os 192 apartamentos com preço inicial a partir de R$ 81.100,00. Atualmente os apartamentos são encontrados a partir de R$ 185, 000 00, segundo o site da imobiliária de vendas referenciado. O preço do solo urbano não é determinado pela produção, mas pela infraestrutura que lhes é conferida, e esta infraestrutura, além de auferir renda aos proprietários fundiários, vai auferir extração de mais-valia do estado.

Foi o que aconteceu e continua acontecendo com a produção do espaço urbano em Vitória da Conquista, em especial os bairros da pesquisa. A área do bairro Universidade era uma área rural, com o advento da necessidade de expansão da cidade, foram criadas as ‘oportunidades’ para ocupação da área.

Deve-se compreender que não são as classes elitizadas que ocupam os terrenos/moradias mais caros, ao contrário o que determina o preço é a quem se destina a ocupação é que esse valor é resultado de uma modificação estruturada pelo modo de produção capitalista “cabendo à propriedade territorial a renda da terra, também ela uma forma particular da mais-valia” (MARX, 1982:p.27).

A capacidade de compra daqueles que vão se apropriar dos terrenos/moradias colaborará para a diferença nos preços até mesmo dentro do próprio bairro, os primeiros lotes vendidos, são geralmente os considerados ‘ruins’, contraditoriamente são estes que vão viabilizar o aumento dos preços dos demais lotes. Além disso, a incorporação ao preço da terra é definido pela propriedade e pelos investimentos, “a generalização do valor de troca no espaço, englobando-o ao mundo da mercadoria, aparece como possibilidade de realização do consumo produtivo do espaço” (CARLOS, 2007:p.77).

A produção capitalista do espaço amplia desigualdade fazendo com que a apropriação seja também desigual pelas classes sociais na cidade. O valor de troca sobreposto ao valor de uso modifica a forma como se apropriam da cidade, as dimensões do ‘habitar’ são vinculadas à mercadoria e torna-se raridade no espaço capitalista.

Entre os empreendimentos encontra-se em construção o Shopping Boulevard (Fig. 05), da rede de shoppings da bandeira Iguatemi, sendo avaliada como uma das marcas mais valiosas do país. O Shopping está sendo construído na Chácara Cidade Jardim, à avenida Olívia Flores, de propriedade dos irmãos Oliveira Neto. A inauguração estava prevista para início do ano de 2017, até a data deste artigo ainda não aconteceu.

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Figura 05: Croqui das futuras instalações do shopping Boulevar (grupo Iguatemi) em Vitória da Conquista-BA.

A categoria valor tem suas raízes no trabalho humano, no entanto dentro do sistema capitalista de produção o valor é o valor de troca, e a obtenção da renda é imprescindível. O círculo de investimentos objetiva atrair moradia para determinado segmento da população, ao mesmo tempo em que essa população burguesa e pequeno-burguesa, determina o padrão e o valor de troca da ‘mercadoria’ e que amplia os investimentos em uma circular cumulativa de capital.

À cidade do capital interessa ‘vender’ os fragmentos de lugares visando incorporações imobiliárias de bairros elitizados. O capital precisa da cidade para se reproduzir. O valor de uso dá lugar ao valor da troca, a quantidade de dinheiro por meio da qual uma mercadoria pode ser comprada ou vendida equivale o seu preço, e a terra transformada em ‘mercadoria’ torna-se também unidade dialética entre valor de uso e valor de troca, uma vez que a primeira necessidade da terra é apropriar-se através do trabalho concreto, mas esta, ainda que a priori seja valor de uso poderá em algum momento tornar-se valor de troca, mas, se, por exemplo, uma terra/habitação se torna ‘mercadoria’ (no sentido da troca) por outra ‘mercadoria’ sem preço ela ainda têm valor de uso, pois não há aí relação mercadológica capitalista, não se aufere renda, lucro, não há transação entre o capitalista e o operário.

4.  Considerações

O estudo da cidade e da produção do espaço urbano capitalista é complexo e longo. O trabalho apresenta apenas uma evidência inicial da problemática vivenciada nas cidades. A análise empírica apresentada faz parte de um processo recente e acelerado de valorização e especulação no Bairro, o que torna o trabalho atual e contínuo, pois, percebeu-se que o processo de produção contraditória do espaço urbano tende a se intensificar. Dessa forma, torna-se imprescindível a continuação da análise e compreensão da produção contraditória do espaço urbano conquistense.

Alguns problemas relacionados à obtenção de dados surgiram no período da pesquisa, principalmente nos órgãos públicos que, em sua maioria se negaram a informar e/ou possuíam dados desencontrados, como no caso da própria localização da área de estudo. O mapa da cidade traz o loteamento caminho da Universidade dentro do bairro Candeias, porém os dados da Prefeitura deferiram o loteamento como pertencente ao Bairro Universidade. A maioria das informações foi de sites de órgãos públicos federais, o que deu maior subsídio foi a legislação municipal, considerando que o Bairro é novo.

Em Vitória da Conquista, como em muitas cidades do país, os loteamentos surgem sem a preocupação urbanística. A necessidade de expansão segue à lógica capitalista do mercado e com a omissão e a concessão dos órgãos municipais. A Prefeitura deferia os loteamentos omitindo o cumprimento da Lei, O Decreto-lei n. 271, atribui poder aos municípios para

“obrigar sua subordinação (dos loteamentos) às necessidades locais, inclusive quanto à destinação e utilização das áreas, de modo a permitir o desenvolvimento local adequado [...]

recusar a sua aprovação ainda que seja apenas para evitar excessivo número de lotes com o consequente aumento de investimento subutilizado em obras de infraestrutura e custeio de serviços” (Decreto de Lei Municipal n° 271, 28 de fevereiro de 1967).

A rápida valorização do Bairro Universidade se intensificou principalmente com a expansão e duplicação da Avenida Olívia Flores. A partir do ano de 2008 os investimentos do Estado nos equipamentos públicos se intensificaram, como a Universidade Federal da Bahia, o Tribunal Regional Federal. A valorização propiciou aos loteadores que já estavam à espera dessa valorização e fizeram com que aumentassem suas rendas na valorização dos terrenos e lotes, como nos novos empreendimentos lançados. Observa-se pelo aumento dos lotes de mais de cem por cento em menos de dez anos o que insere o Bairro Universidade em um contexto mundial da questão urbana, em que o capital tem se utilizado da especulação como motor de fuga para crise estrutural sistêmica. Ao mesmo tempo em que essa fuga poderá aumentar ainda mais a crise, com o aumento exacerbado do preço da ‘mercadoria’ terra e sua supervalorização induzida. O excedente do capital continua sendo produzido, ainda que da terra não se obtenha produção.

 Nessa ótica, a estrutura do Estado capitalista é corrompida, não há como fazer ‘reformas’ solidárias e justas, é preciso transformá-las em algo radicalmente diferente, só possível com a extinção do relacionamento entre o capital e os processos de construção das cidades. E a própria estrutura capitalista têm apontado as condições em suas crises, como já têm se dado, na sua ânsia de produção exacerbada quando amplia o exército de desempregados, e estes nas cidades com um número e ritmo desproporcional ao que ela comporta, aprofunda a crise cíclica e estrutural do capital e cria as condições para a mudança radical, quando estes trabalhadores se levantam contra a organização do sistema de exploração do homem pelo homem.

        A negação da sociedade tal como está já pode ser percebida pelas manifestações das multidões enfurecidas, e estas têm se dado justamente nas cidades, Nova York, Cairo, Madri, Santiago do Chile são alguns exemplos que puderam ser acompanhados por todo mundo do aprofundamento do abismo entre as classes. Ainda que estes movimentos sejam situações isoladas considerando a totalidade, a motivação não é individual, pontual, pelo contrário a exploração causa cada vez mais indignação e é justamente nas grandes cidades que está o berço do movimento operário; foi nelas que pela primeira vez, manifestou-se o contraste entre proletariado e burguesia.

Lefebvre lembra de que só o proletariado pode construir uma outra sociedade, abolir a especulação “o proletariado tem esta missão histórica: apenas ele pode pôr fim às separações (às alienações)” (LEFEBVRE, 2010:p.40). O apropriar-se da cidade real só poderá acontecer com a extinção da propriedade privada e somente a classe operária poderá se levantar, quando tomada a consciência de classe para abolir o papel de dominante da classe burguesa.

5. Referências

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Dossier “La ciudad neoliberal: disputas en torno a lo urbano”.

O processo de monopolização e valorização do solo urbano em Vitória da Conquista-BA: contradições na cidade do capital

Marília Faria Chaves


[1] Fecha de recepción: 6/11/2016. Fecha de aceptación: 14/12/2016

[2] Mestranda do Programa de Pós-graduação em Geografia(PPGeo) da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Brasil) (2016). Possui especialização em Análise do Espaço Geográfico (2012) pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia ( UESB), Licenciada em Geografia (2010) pela mesma universidade. Bolsista da Fundação CAPES. Membro do grupo de pesquisa Estado, Capital, Trabalho e as Políticas de Reordenamentos Territoriais (GPECT). Realiza pesquisas nas áreas de produção do espaço urbano e renda da terra urbana.