A formação de uma liderança comunitária no bairro da Terra Firme em Belém do Pará, Brasil[1]

The formation of community leadership in the Terra Firme in Belém do Pará, Brazil

Anthony Henrique de Azevedo Matos[2] y Fernanda Valli Nummer[3]

 

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Resumo

Os estudos científicos contemporâneos sobre a formação de lideranças comunitárias priorizam uma análise holística, que engloba aspectos da personalidade, gênero, da situação e da relação entre líderes e seguidores. Seguindo esta orientação teórica, este estudo analisa a formação da liderança deDona Oriana1, no bairro da Terra Firme, em Belém do Pará. Para isso, realizou-se uma entrevista em profundidade com esta líder e os dados foram analisados através da técnica de narrativa. O objetivo foi elucidar os componentes da personalidade, da situação e das relações de Dona Oriana com seus seguidores. Os resultados mostram um tipo de liderança comunitária democrática transformacional fortalecida por disposições de gênero, com uma personalidade socialmente engajada, responsável e proativa, formada em um contexto de elevada vulnerabilidade social e que mobilizava seus seguidores pelo exemplo, pela prática de relações horizontais e por conquistas que impactaram positivamente o bem-estar da comunidade. Conclui-se que o equilíbrio entre qualidades pessoais, disposições de gênero, contexto social adverso e relações de qualidade entre líder e seguidores foram decisivos na formação da liderança de Dona Oriana[4].

Palavras-Chave: Periferia urbana; Lideranças comunitárias, Participação política

Abstract

Contemporary scientific studies on community leadership development prioritize a holistic analysis, encompassing aspects of personality, situation, gender and the relationship between leaders and followers. Following this theoretical orientation, this study analyzes the leadership development of Dona Oriana in the Terra Firme neighborhood of Belém, Pará. To achieve this, an in-depth interview was conducted with this leader, and the data were analyzed using the narrative technique. The objective was to elucidate the components of Dona Oriana's personality, situation, and relationships with her followers. The results reveal a type of democratic transformational community leadership strengthened by gender dispositions, characterized by a socially engaged, responsible, and proactive personality, formed within a context of high social vulnerability. She mobilized her followers through example, the practice of horizontal relationships, and achievements that positively impacted community well-being. It is concluded that the balance among personal qualities, gender dispositions, an adverse social context, and quality relationships between leader and followers were decisive in the formation of Dona Oriana's leadership.

Keywords: Urban Periphery; Community leadreship; Political participation

 

Introdução

Este estudo analisa a formação de uma liderança comunitária no bairro da Terra Firme, na cidade de Belém do Pará. A formação de lideranças é um processo que se observa em diversos setores da vida social: instituições educacionais, corporações empresariais, instituições religiosas, política profissional, movimentos sociais, comunidades rurais, comunidades de moradores de bairro, e, mente, até mesmo em grupos de redes sociais. Em cada setor, esta formação assume características que variam conforme os interesses, as necessidades e o contexto social e cultural. Assim, a análise da formação de uma das lideranças sociais do bairro mencionado busca identificar suas características e como estas concorreram para sua emergência e consolidação neste contexto específico.

Terra-Firme é um bairro da cidade de Belém-Pará considerado um dos mais extensos e populosos, com uma população estimada em, aproximadamente, 64 mil habitantes (Belém, 2011). Sua história remonta à década de 1940. Naquele momento, a área que hoje corresponde a este bairro era conhecida como bairro de Montese. Contudo, a partir da década de 1970, este se expandiu desordenadamente devido à chegada de pessoas oriundas de diversas partes do estado do Pará, as quais foram ocupando terras antes pertencentes à união (Da cunha, 2017; Silva, 2018).

As pessoas que chegavam no local erguiam suas casas sobre áreas alagadas pelo rio Tucunduba. Estas áreas foram sendo soterradas ao logo do tempo, advindo deste fato a mudança do nome do bairro de Montese para Terra-Firme.

O bairro é um dos que absorvem o contingente de populações pobres e trabalhadores subalternos da cidade de Belém, o que resultou em uma estrutura social marcada por profundos contrastes, desigualdades e injustiças sociais. Esta realidade o tornou um espaço de lutas por direitos e cidadania em diversas frentes.

Foi nesse contexto que emergiu a liderança social de Dona Oriana, que é reconhecida pelos moradores do bairro como uma liderança comunitária. Ela participou de nossa pesquisa por meio de uma entrevista. Na ocasião, utilizamos da técnica de pesquisa de entrevista episódica, técnica esta que é conduzida mediante a utilização de um roteiro de perguntas semi-estruturado, deste modo nós almejamos averiguar em sua trajetória de vida e participação política, componentes que contribuíram para se tornar e ser reconhecida como liderança. Os dados obtidos a partir dos relatos da entrevistada, por sua vez, foram analisados por meio da técnica de análise da narrativa (Beaud & Weber, 2007; Gibbs, 2009; Flick, 2008; Rocha, 2020), a qual possibilita enquadrar para compreender as falas da entrevistada dentro do contexto teórico que fundamenta este estudo.

A protagonista deste estudo nasceu em Belém, no ano de 1972. Inicialmente, morou no bairro de São Brás com sua família, depois mudou para o bairro do Guamá e, em 1986, fixou-se na Terra Firme. Estudou toda a vida escolar em colégios públicos da capital paraense e se formou em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará.

A liderança de Dona Oriana foi espontaneamente apontada pelos membros do movimento Lutar Sempre, um coletivo que nasceu em 2021, duramente a pandemia de Covid-19, com o objetivo inicial de levar alimentos a famílias muito pobres do bairro que passavam dificuldades e grave insegurança alimentar naquele momento. Essa espontaneidade significa que, na percepção social local, ela ocupa este papel e esta função de liderança comunitária.

Posteriormente, este coletivo se manteve focado em ajudar famílias e pessoas que continuam passando por grave insegurança alimentar, mas, também, promove debates sobre questões de interesse comum à população do bairro e fica de prontidão para ajudar em outras demandas que exigem a união e a luta da população local.

O estudo da trajetória desta liderança pode ajudar a compreender o processo de sua formação e os fatores que a transformaram em uma referência para a comunidade do bairro. Por sua vez, a importância da compreensão deste processo e destes fatores reside na necessidade de identificar os elementos que contribuem, empiricamente, para a emergência de lideranças em contextos comunitários marcado pela vulnerabilidade social e o papel que estas exercem na conquista de direitos e cidadania para estas populações.

Outrossim, os estudos atuais sobre formação de lideranças sustentam que, para o estudo destes agentes, é importante considerar três dimensões: as características do líder, do grupo e a situação ou o contexto (Goulart, 2006; Herbert, 2007; Ornellas et al, 2013; Yagiu et al, 2021; Lopes, 2021).

Neste estudo, importa compreender as características da liderança de Dona Oriana e o contexto no qual ele emerge. Para isso, trabalha-se, aqui, com o seguinte problema: Quais são as características da liderança da Dona Oriana e de que modo tais características se amalgamaram à realidade histórica para que ela se tornasse uma representante das necessidades e dos desafios da comunidade do bairro da Terra Firme, em Belém do Pará?

O trabalho está subdividido da seguinte forma: Introdução, contextualização teórica, contextualização da emergência de uma liderança comunitária, a trajetória de Dona Oriana; discutimos a respeito da “formação” de uma liderança comunitária.

 

Contextualização teórica do estudo

Os estudos sobre formação de lideranças começaram com a teoria do “Great Man” ou do “líder nato”, de Thomas Carlyle, em meados do século XIX (Goulart, 2006; Lopes, 2021). Essa teoria tinha como protótipo a liderança masculina, logo, padecia de um viés de gênero. Ademais, dentro do espírito intelectual da época, que buscava na natureza uma referência empírica e uma fonte de certeza para o pensamento científico, acreditava que os líderes possuíam características inatas especiais e superiores às dos demais indivíduos. Por fim, assentava-se num viés eurocêntrico e classista, isto é, centrado no homem branco europeu de classe alta (Goulart, 2006; Lopes, 2021).

Essa abordagem refletia os ideais e interesses das elites políticas, intelectuais e econômicas europeias do período, buscava naturalizar seu poder, a hierarquia social existente, assim como a exclusão das camadas sociais subalternas e das mulheres das esferas de poder.

Deste modo, sua referência neste estudo é busca contextualizar como, em seus primórdios, a teoria sobre lideranças estava profundamente associada a um contexto patriarcal de sociedade que não somente não explica como nega e negligencia a liderança feminina.

Em seguida a essa abordagem emergiu, no início do século XX, a teoria dos traços físicos, sociais e de personalidade, segundo a qual os líderes seriam pessoas que se distinguem das demais por traços diferenciados, tais como aparência física, inteligência, capacidade analítica, comunicativa, persistência, autoconfiança, sociabilidade, empatia, engajamento, honestidade, competência, senso de responsabilidade e busca da perfeição (Goulart, 2006; Ornelas et al, 2013; Lopes, 2021).

Como se observa, essa abordagem amplia as características da liderança para além da ideia de líder inato, mas ainda mantém uma perspectiva individualista e essencialista da liderança, logo, continua a ser uma perspectiva descontextualizada tanto das mediações relacionais quanto institucionais, culturais e históricas que concorrem para a formação de lideranças.

Essas teorias falharam em proporcionar uma explicação e compreensão adequadas da formação de lideranças, ao negligenciar o fato de que as lideranças são construções históricas e sociais, e que sua emergência depende das situações, dos contextos e dos papeis dos diferentes sujeitos no processo (Goulart, 2006; Fernandes, 2010; Lopes, 2021). Ademais,

Esse enfoque não conseguiu realmente comprovar o pressuposto subjacente à hipótese que se pretendeu pesquisar, uma vez que muitas das pessoas que possuíam as características de personalidade relacionadas à liderança não conseguiam exercer com eficácia o seu papel de líder em determinadas situações. Por outro lado, foram identificados líderes eficazes que não possuíam a relação de traços identificados (Goulart, 2006, p. 58).

Como se observa, esta nova abordagem promove uma ruptura com os estudos anteriores sobre liderança, pois abandona a perspectiva essencialista e passa a valorizar a experiência, a prática, a capacidade de adaptação aos contextos concretos, às contingências das dinâmicas sociais e econômicas do meio no qual a organização está inserida como pressupostos para a formação do líder.

É preciso enfatizar, entretanto, que, por mais que as expectativas inatas da análise de lideranças tenham se mostrado limitadas, elas não foram inteiramente abandonadas, mas aprimoradas e combinadas com outras variáveis, tais como as circunstâncias, o contexto e as características da relação entre líderes e liderados.

Foi assim que, na segunda metade do século XX, emergiu a teoria comportamental ou dos estilos de liderança (Goulart, 2006), que deslocou a análise da formação de lideranças das características inatas para o comportamento dos líderes e aquilo que eles fazem. Essa teoria sustenta que a capacidade do líder não é inata, mas desenvolvida ao longo de sua trajetória (Bass, 1985; Goulart, 2006; Fernandes, 2010; Lopes, 2021).

Neste sentido, a liderança passou a ser entendida como um conjunto de competências relacionais e processuais, aprendida e cultivada ao longo do processo de socialização dos indivíduos e através de suas experiências profissionais. Como tal, o líder passou a ser compreendido como um sujeito que possui alta capacidade de ajustar suas competências e encontrar soluções para desafios simples ou complexos através da experiência, da escuta ativa dos membros do grupo e do conhecimento acumulado ao longo do processo.

Outrossim, esta abordagem também sustenta que, para consolidar sua posição, o líder precisa alcançar resultados e estabelecer um relacionamento eficaz com os seguidores. Por isso, os estudos alinhados a essa teoria priorizaram a identificação de resultados alcançados, a análise das interações e dos papeis entre líderes e seus seguidores, assim como a percepção destes últimos em relação ao primeiro (Bass, 1985; Goulart, 2006; Fernandes, 2010; Lopes, 2021).

A partir da análise da relação entre líderes e seguidores, a teoria comportamental sustenta que emergem dois tipos de líderes, conforme o estilo adotado por eles para exercer sua influência sobre os demais membros do grupo: “a liderança orientada para o controle de tarefas e a liderança orientada para a participação, manutenção e fortalecimento do grupo” (Goulart, 2006, p. 63). O primeiro estilo é concebido como autocrático, enquanto o segundo é concebido como democrático (Goulart, 2006; Fernandes, 2010; Lopes, 2021).

Esta diferenciação proporcionou uma abordagem mais multifacetada das lideranças, ao estabelecer critérios práticos de mensuração da sua eficácia e eficiência associados tanto ao alcance de objetivos e metas práticos quanto à coesão e ao bem-estar do grupo. Essa inflexão abriu um campo fértil de estudos sobre a relação entre liderança, ética e inclusividade nas organizações públicas, privadas e civis.

Outrossim, esta abordagem permite sustentar que a liderança democrática é estratégica para contextos que envolvem ações coletivas orientadas por demandas sociais comuns, tal como movimentos sociais e organizações da sociedade civil, uma vez que a participação, o engajamento social e o fortalecimento dos grupos é fundamental o sucesso destes movimentos. Neste contexto, estas demandas coletivas constituem os resultados práticos perseguidos.

Nessa linha, ainda, na segunda metade do século XX, desenvolveu-se a teoria situacional, a qual sustenta que não apenas o comportamento, as relações ou as características dos líderes explicam o processo de formação de lideranças, mas estas devem ser combinadas com variáveis situacionais (Goulart, 2006; Fernandes, 2010; Lopes, 2021).

A teoria situacional salienta que a eficácia do líder depende da sua adaptação ao contexto situacional, o que significa que o líder deve saber mudar para tomar decisões que ajudem o grupo a resolver, de forma eficaz e eficiente, os desafios que são postos por cada situação específica.

Neste modelo, o estilo de liderança a ser adotado depende de aspectos do líder (valores, engajamento, confiança no grupo, convicções pessoais, capacidade comunicativa, persistência), dos seguidores (segurança na incerteza, necessidades de liberdade, de seguir orientações superiores, responsabilidade coletiva, interesse pelos assuntos e engajamento na resolução dos problemas comuns) e da situação (conhecimento da instituição, do grupo, dos problemas e soluções possíveis, da complexidade das ações necessárias para resolver de forma eficaz e eficiente os problemas comuns) (Goulart, 2006; Fernandes, 2010; Lopes, 2021).

Tal modelo se assenta sobre a perspectiva de lideranças dinâmicas, capazes de conjugar sensibilidade social, leitura crítica da realidade, habilidades de negociação em contextos de grande pressão e em cenários de permanente transformação, principalmente ante um sistema econômico cada vez mais embalado por mudanças tecnológicas e pela intensificação dos intercâmbios e da produção de mercadorias e serviços.

Se a teoria comportamental resultou na classificação de dois tipos de lideranças conforme os estilos adotados pelo líder para exercer influência em seu grupo, o modelo situacional resultou na emergência de dois tipos básicos de liderança, os quais não dependem das características do líder, mas da natureza da relação entre ele e seus seguidores: a liderança transacional e a transformacional. De acordo com Ornelas et al (2013, p.34):

o líder transacional foi caracterizado como sendo orientado para os objetivos e para a realização de tarefas, e interessado na manutenção do status quo [...]. Por seu turno, o líder transformacional é aquele que inspira, motiva e é orientado para as relações, conquistando o apoio dos seus seguidores pelo apelo a ideais e valores elevados como liberdade, justiça, igualdade e paz.

Deste modo, enquanto a liderança transacional é mais pragmática e utilitária, oferecendo recompensas por desempenho e sanções por descumprimento de metas, a liderança transformacional vai além, fortalecendo o engajamento emocional, moral, intelectual e, mesmo, utópico do grupo, a fim de alcançar mudanças mais profundas nos sujeitos e na realidade social (Goulart, 2006; Fernandes, 2010; Lopes, 2021).

Assim como a teoria comportamental evidenciou a importância do líder democrático para contextos de movimentos e de transformação social, a teoria situacional mostra a importância do líder transformacional para este mesmo contexto, pois se trata de um líder que consegue atuar nos limites daquilo que, na literatura crítica, denomina-se de práxis, isto é, de uma ação reflexiva e transformadora, orientada por múltiplos objetivos individuais, sociais, e humanitários, plasmada com uma dimensão ética emancipatória e visionária da realidade (Freire, 1967, 1987).

Outrossim, no âmbito dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada, as características das lideranças democrática e transformacional podem complementar as características do que a literatura deste campo denomina de liderança comunitária, a qual, de acordo com Lopes (2021, p. 11):

é um modelo de liderança no qual a liderança é partilhada por um grupo de pessoas (idealmente toda a comunidade) e cada pessoa é chamada a tomar parte na liderança do grupo propondo ideias e visões. Neste modelo a direção não nasce necessariamente de um líder único, mas da contribuição de múltiplos elementos.

Segundo Ornelas et al (2013), Lopes (2021) e Oliveira et al (2023) a liderança comunitária se assemelha ao conceito de liderança de serviço, um modelo que o qual decorre da tipologia de liderança transformativa e que se contrapõe aos modelos hierárquicos tradicionais, por compreender o líder como um servidor do grupo.

Essa categoria enfatiza que a força da liderança comunitária emerge de grupos sociais engajados, da capacidade de construir relações sociais fortes, exercer influência sobre o grupo, consolidar-se como uma referência e promover mudanças sociais, tendo por base valores como justiça social, engajamento, democracia, o desenvolvimento da comunidade e a responsabilidade coletiva.

Como se observa, a liderança comunitária reúne elementos centrais do líder democrático, transformacional e situacional, mas vai além, porque o centro do processo de formação se desloca do indivíduo para o coletivo, a abordagem deixa de ser a organização e passa a ser a construção coletiva, o foco deixa de ser a eficiência utilitária e passa a ser a emancipação comunitária, e, por fim, a formação deste tipo de liderança passa a valorizar menos as virtudes individuais e mais a mobilização das capacidades coletivas, o compartilhamento de processos decisórios e a valorização da experiência social local (Ornelas et al, 2013; Lopes, 2021; Oliveira et al, 2023).

Na medida em que o papel do líder se desloca do indivíduo para o coletivo, a liderança comunitária assume uma característica eminentemente inclusiva e se insere no campo da cidadania ativa, da luta pela conquista, manutenção e fortalecimento de direitos, onde o papel da liderança é, também, o de empoderar sujeitos sociais, contestar e transformar estruturas excludentes (Oliveira et al., 2023; Lopes, 2021).

Neste sentido, o líder comunitário permite articular agendas locais com agendas mais amplas, na esfera dos direitos humanos, da cidadania, da equidade social e da democracia. Do mesmo modo, permite superar a dicotomia clássica entre líderes e liderados, na medida em que este tipo de liderança se fundamental numa práxis compartilhada, onde se mesclam saberes acadêmicos a práticos, e num processo relacional, dialógico e participativo.

Por isso, a liderança comunitária representa uma importante inflexão no campo dos estudos de lideranças, pois transborda o interesse científico e a análise crítica do campo das organizações e dos processos formais para o das associações espontâneas e informais, onde os ativos almejados são inclusão, justiça social, sustentabilidade, entre outros.

Deste modo, se retirada a perspectiva imediatistas ou essencialista da análise das características pessoais do líder e substituí-la pela perspectiva da construção social, situacional e contextual, é possível compreender a liderança comunitária como um fenômeno complexo, ao mesmo período histórico, social e cultural dinâmico, resultante de múltiplas relações sociais, processos de formação ou socialização, demandas grupais, condições sociais específicas e localizadas no tempo e no espaço. Por isso, Lopes (2021, p. 18) conclui: “as dimensões e a prática da liderança comunitária dependem da dimensão pessoal, do grupo, dos contextos”.

Para fechar esse quadro de referências teóricas, como o sujeito deste estudo é uma mulher, é importante apresentar, ainda que de modo resumido, as contribuições dos estudos de gênero para este debate.

Nesse sentido, Cunha & Spanhol (2014), em estudo de revisão bibliográfica sobre as características da liderança feminina enfatizam que os principais traços distintivos observados na literatura são o estilo mais cooperativo, humilde, descentralizador, empático, bem-humorado, flexível e comunicativo da mulher, o qual contrasta com o estilo masculino, que tende a ser mais assertivo, impositivo, centralizador e focado em tarefas. Por isso, essas autoras afirmam que:

As líderes femininas acabam colocando em prática dentro das organizações tudo aquilo que já vem embutido em seu comportamento do gênero. Elas estão prontas para focar no negócio sem se esquecerem das pessoas que as circulam. Usam o capital humano para agregar. Conseguem resultados arrojados com um jeito carismático e envolvente e, mais uma vez, fazem isso naturalmente. Capacidade de inovar, convencer os outros, de vender ideias e interagir com o sistema psicossocial da organização são atividades que muitas vezes estão sob o domínio das mulheres que exercem o papel de liderança (Cunha, Spanhol, 2014, p. 103).

Por sua vez, Santos et al. (2023), em estudo de revisão bibliográfica sobre mulheres líderes em organizações, enfatizam que seu estudo identificou a comunicação como principal traço distintivo da liderança feminina.

De acordo com estes autores, as mulheres tendem a ter uma visão mais sistêmica do contexto, ser mais organizadas, intuitivas, compreensíveis, inclusivas, flexíveis e comunicativas com sua equipe, por isso, tendem a produzir equipes mais motivadas para perseguir os objetivos empresariais, assim como mais inovadoras que os homens (Santos et al., 2023).

Pode-se afirmar que os estudo de gênero, promovem uma importante mudança nas abordagens sobre liderança, pois passam a valorizar aspectos relacionados à formação cultural e às formas de socialização de gênero nas sociedades. Neste sentido, tiram da invisibilidade e da subalternidade características de liderança decorrentes das trajetórias de gênero e referências culturais e subjetivas próprias das práticas e dos papeis socialmente atribuídos a homens e mulheres (Cunha, Spanhol, 2014; Santos et al., 2023).

Neste sentido, a perspectiva de gênero amplia o campo dos estudos de lideranças, ao adicionar a estes estudos não somente aspectos pessoais, situacionais, relacionais e históricos, mas, também, institucionais que resultam em diferentes formas de socialização e formação entre homens e mulheres, logo, que implicam em diferentes formas de ver, sentir e atuar sobre a realidade.

Deste modo, a abordagem de gênero nos estudos de liderança é não somente um mero apêndice teórico, mas uma chave interpretativa que oferece novos insights para compreender e explicar os diferentes estilos de liderança, sua formação e suas características.

Em resumo, as teorias sobre formação de lideranças acima apresentadas oferecem um painel diversificado de atributos individuais, situacionais, contextuais, grupais e de gênero que constituem chaves interpretativas que serão mobilizadas neste estudo para compreender, de modo mais profundo e rico, o processo de formação de liderança da Dona Oriana.

 

A situação contexto da emergência da liderança de dona Oriana

A emergência da liderança da Dona Oriana ocorre nos anos de 1990, a partir da sua participação no “Grito da Terra Firme”, “que foi um movimento engajado lá pelos anos 90” e que “tinha como principal pano de fundo a questão da moradia, da água, do saneamento que a gente não tinha”. Assim, a formação da liderança de Dona Oriana nasce profundamente plasmada a essa realidade social do seu bairro, marcada pela precariedade em diversas áreas essenciais, e às necessidades sociais da sua população: “Aqui não tinha posto de saúde [...]. o espaço onde hoje é a escola era um lago mesmo né? E aí, então, era nossa reivindicação trazer também a educação para as crianças (Entrevista realizada em 07/07/ 2024).

Esse retrato básico da realidade do bairro da Terra Firme apontado acima pela fala de Dona Oriana se encontra bem retratado na literatura acadêmica que estudou este bairro ao longo dos últimos anos (Alves, 2010; Da Cunha, 2017; Silva, 2018; Batista & Ribeiro; 2021; Nascimento & Netto, 2021, Chagas, 2021).

De acordo com essa literatura, o bairro da Terra Firme se expandiu, ao longo das décadas de 1970 e 1980, como um dos maiores bairros periféricos, no sentido dado a este termo por Amoroso e Peralta (2023), de Belém. Isto é, o bairro cresceu como uma área de baixo valor mobiliário, tanto no que se refere às moradias quanto no que se refere à escassez de infraestrutura e de serviços públicos urbanos, por ser um espaço “de reprodução dos setores mais populares da sociedade” (Amoroso & Peralta, 2023, p.4).

Ao longo destas décadas, o bairro atraiu uma população de trabalhadores subalternos, desempregados, informais ou subempregados. Porém, sua expansão não foi acompanhada da implementação de serviços de infraestrutura básicos, tais como água tratada e encanada, saneamento, saúde, segurança pública, educação e transporte. Concomitante a esta situação, as terras ocupadas pelos moradores continuavam pertencendo à União, fato que gerava constante insegurança e incerteza na população devido ao risco constante de expulsão das áreas ocupadas (Alves, 2010; Da Cunha, 2017; Moura Alcântara, 2019; Batista, Ribeiro, 2021; Nascimento & Netto, 2021; Chagas, 2021).

Outros aspectos importantes desta periferização presente no bairro são a ausência de regularização fundiária dos imóveis e o estigma que sobre ele recai como área de violência e criminalidade generalizada (Amoroso & Peralta, 2023). Neste sentido, os indicadores sociais precários e o estigma sobre o bairro também corroboraram para estigmatizar os seus moradores, imprimindo neles uma “identidade marginal, subumana e excludente” (Alves, 2010, p.133), fato que reforçou os desafios para a construção de uma identidade positiva por parte desta população, assim como para a conquista de melhorias sociais e infraestruturais para o bairro (Alves, 2010; Batista & Silva, 2018; Ribeiro, 2021).

Este cenário de precariedade acima descrito, marcado pela escassez de recursos públicos urbanos e elevada demanda por cidadania e bem-estar social por parte da população, proporcionou o ambiente adequado para a emergência de lideranças e movimentos sociais.

Assim, a partir dos anos de 1970, os moradores passaram a se organizar em associações e num centro comunitário para se mobilizar politicamente em defesa de serviços e direitos sociais, tais como segurança pública, água potável, energia elétrica, moradia, regularização fundiária, infraestrutura e saneamento, ao mesmo tempo em que forjavam a construção de uma identidade própria, amalgamada à solidariedade, ao engajamento cívico e à unidade do movimento social (Alves, 2010; Silva, 2018; Pessoa, 2024).

A partir daí, foram realizados protestos, greves, manifestações e passeatas por parte da população local, que denunciava os descasos do poder público, ao mesmo tempo em que exigia ações práticas para equacionar os diversos problemas acima mencionados, a fim de melhorar sua qualidade de vida, cidadania e sua dignidade (Alves, 2010; Da Cunha, 2017; Silva, 2018; Batista, Ribeiro, 2021; Nascimento & Netto, 2001; Chagas, 2021).

Atualmente, algumas destas questões foram atenuadas, mas, outras, ainda permanecem fortes, tais como o problema de saneamento, segurança pública e o estigma sobre o bairro e sua população. Ademais, novas pautas foram surgindo com o tempo e os moradores passaram a se organizar além das associações e centros comunitários, em coletivos e projetos sociais atuantes no bairro, principalmente com o propósito de promover oportunidades e justiça social à população local mais carente (Pinto & Ribeiro, 2021).

No que diz respeito à estigmatização do bairro e sua população, surgiram grupos emprenhados em enfrentar o quadro de violência e o descaso por parte do poder público. Tais grupos direcionam a população para projetos culturais como teatro, música, cinema, capoeira, educação escolar, dentre outros, e visam propiciar aos moradores espaços de sociabilidade e discussão dos seus problemas recorrentes, assim como organizar os moradores para reivindicar espaços de lazer, arborização no local e demais direitos sociais (Moura Alcântara, 2019).

Atualmente, existirem diversas associações, movimentos sociais, coletivos de luta, ou, como os nativos chamam, projetos sociais, tanto formais quanto informais, tais como o movimento Tucunduba Pró-Lago Verde e o Lutar Sempre.

Estes grupos continuam exercendo a função de mobilizar os moradores na luta por direitos, assim como por promover debates de temáticas como racismo, a valorização da cultura popular paraense, preservar a memória do bairro, dentre outras questões que visam fortalecer a identidade local e empoderar a população.

É importante salientar que tanto as organizações que emergiram no contexto do movimento social da década de 1970/80/90 quanto as atuais possuem como características principais aquilo que Lüchmann (2012) denominou de organizações voluntárias autogovernadas. Estas, são constituídas por indivíduos que se unem em torno de interesses comuns, com o objetivo de promover mudanças sociais, políticas e culturais de uma determinada realidade social.

Estas associações são de tipo informais e se constituem a partir da adesão espontânea por parte dos seus membros, não possuem registros formais, possuem flexibilidade de gestão e, assim, podem mudar conforme a vontade, a necessidade e os interesses dos atores sociais que as compõem. Por isso, são agentes privilegiados de mudança social.

Outrossim, os membros destas organizações, geralmente, compartilham interesses, problemas e necessidades comuns, além de experiências semelhantes, o que proporciona um estoque de capital social inicial que pode ser administrado e direcionado para ações coletivas que visem o desenvolvimento comum (Lüchmann, 2012).

Deste modo, esta é a situação ou o contexto no qual emergiu a liderança da Dona Oriana no Bairro da Terra Firme, a partir de organizações voluntárias autogovernáveis e dentro de um cenário social no qual faltava infraestrutura básica, saneamento, serviços públicos de saúde e educação, regularização fundiária, ao mesmo tempo em que a violência, a pobreza, a miséria e o estigma social condenavam sua população à indignidade e falta de cidadania.

Enquanto uma das lideranças que emergiram no contexto da década de 1980, Dona Oriana encarnou, em si, características pessoais, capacidade de articulação e comunicação que lhe permitiu representar as necessidades e aspirações da comunidade por mudanças, melhoria de vidas e bem-estar social. Sua trajetória e práticas serão analisadas mais detidamente a seguir.

Dona oriana: uma liderança comunitária complexa

Engajamento em “movimentos” e “coletivos” e reconhecimento comunitário

Iniciamos a entrevista com Dona Oriana perguntando o que ela achava do fato de ter sido apontada e reconhecida por comunitários do bairro como uma de suas lideranças: “Pois é, não sei, às vezes as pessoas me surpreendem”, respondeu ela demonstrando surpresa. É importante salientar que a humildade com que a entrevistada respondeu a esta pergunta é um traço típico de lideranças femininas, tal como evidenciam os estudos de gênero.

Mais adiante, porém, ela formulou sua própria hipótese para este fato: “quando eu me mudei para cá, então talvez isso tenha sido marcado para eles lá, porque naquele momento eu realmente era mais engajada, eu estava mais na linha de frente mesmo e tinha aqueles anseios, eu tinha inquietações acerca daquilo que eu via né? ”.

Dona Oriana se mudou para o bairro da Terra Firme na década de 1980 e, desde então, se “engajou” na “linha de frente” dos “movimentos” e “coletivos” locais: “anteriormente eu participei do Grito da Terra Firme, que foi um movimento engajado lá pelos anos 90, esse grito da TF tinha como principal pano de fundo a questão da moradia, da água, do saneamento que a gente não tinha, aqui não tinha posto de saúde”.

A entrevistada salienta que seu engajamento em defesa dos interesses da comunidade era intenso: “E aí, então, por isso, aonde tinha algum movimento, alguma coisa assim, a gente estava engajado na questão de trazer essas melhorias né? ”. Por isso, Dona Oriana relaciona a este seu intenso engajamento o reconhecimento que a comunidade lhe confere como representante das suas demandas:

então, como eu participei de alguns coletivos aqui também, que é o coletivo Lutar Sempre, eu estava no início do movimento Tucunduba Pró-Lago Verde também, tem outras coisas que a gente também faz em termos de coletividade, nas questões da igreja, lá a questão do saneamento, e aí, então, as pessoas me veem como liderança (Entrevista realizada em 07/07/2024).

Na continuidade da entrevista, Dona Oriana salienta que, atualmente, seu engajamento é menos intenso do que no passado: “Talvez hoje eu te diga que eu estou um pouco mais aquietada, um pouco mais quieta, né?”. Esse “aquietamento” se deve, de acordo com ela, “por já ver algumas coisas que já tenha sido realizado, conquistado pelas lutas antigas”.

Contudo, o “aquietar” não é um parar com o engajamento e sim uma redução do seu ritmo, isso porque se engajar em “lutas”, segundo sua concepção, é uma exigência da própria sociedade:

“Inquietações sempre acontecem, a sociedade é dinâmica e, do jeito que ela é, ela sempre acontece, então inquietações são coisas que vão permanecer sempre enquanto vida a gente tiver, então tudo isso favorece justamente para que a gente não fique parado” (Entrevista realizada em 07/07/2024).

Como salientado na seção teórica, o engajamento é uma característica central de um líder, reconhecido desde as primeiras teorias sobre liderança até as contemporâneas teorias da liderança transformacional e comunitária (Goulart, 2006; Ornelas et al, 2013; Lopes, 2021). Deste modo, este pode ser, de fato, um dos fatores que sustentam esse reconhecimento da sua liderança pela comunidade da Terra Firme, mas não o único.

 

Compromisso, responsabilidade, proatividade social e sensibilidade com os problemas coletivos

Ao analisar sua própria trajetória política, Dona Oriana associa alegremente suas “inquietações” e seu “engajamento” com as necessidades sociais da sua comunidade. Assim, como ela mesma enumera acima, seu “engajamento” resultou em conquistas nas áreas de saúde, saneamento, educação etc. Porém, para ela, mesmo tendo alcançado várias conquistas:

a gente sabe que ainda permanece, tem muitas outras lutas que cada vez mais a gente percebe que, né? [...]. Mesmo que a gente consiga construir uma coisa, como é questão da escola, eu não fiquei parada lá na escola, quando construiu a unidade de saúde, não ficamos parados só na unidade saúde, as questões de saúde, educação e saneamento são recorrentes, principalmente para nós que vivemos em periferia, então a nossa história de luta será sempre permeada por outras lutas, permeada por outras lutas, então nunca vai parar (Entrevista realizada em 07/07/2024).

Contemporaneamente, além das “questões de saúde, educação e saneamento” “recorrentes” do seu bairro, as “inquietações” de Dona Oriana são provocadas por “outras lutas” típicas do contexto histórico atual. Como a “sociedade é dinâmica”, acontecimentos mundiais recentes, como a Pandemia do Covid-19, e outros acontecimentos locais, como a macrodrenagem da bacia do Rio Tucunduba, que corta parte do bairro da Terra Firme, suscitaram-lhe à ação ou, como ela coloca, favoreceram para ela não ficar parada:

Hoje eu estou participando somente do Coletivo Lutar Sempre, que nasceu na época da pandemia, inclusive o nosso primeiro projeto dentro do coletivo foi o projeto vida sem fome, que vendo a situação de famílias que estavam naquele momento sem condições de trabalho, porque houve a questão da do lockdown, então a gente começou a unir forças com pessoas que estavam também com os mesmos ideais, e aí é só fazer alimentação para distribuir para aquela população que estava necessitada (Entrevista realizada em 07/07/2024).

A entrevistada prossegue mostrando como funciona, na prática, quando afirma que sua “história de luta será sempre permeada por outras lutas”. Assim, após a luta por alimentar a “população que estava necessitada” em decorrência da Pandemia, o Coletivo Lutar Sempre passou a “encampar outros movimentos, que foi, justamente, quando no ano de 2019 para 2020 a gente começou a trabalhar essa questão do movimento Tucunduba Pró-Lago Verde”.

A “história de luta” “sempre permeada por outras lutas” continua. Assim, enquanto o Coletivo Lutar Sempre deu origem ao Tucunduba Pró-Lago Verde, este, por sua vez, resultou no Tá Selado[5]:

E aí, Tá! Ai, dentro do próprio movimento, aí a gente foi percebendo, fortalecendo, né?! Que era, justamente, a gente vendo que o Canal do Tucunduba ele estava sendo concluído e as outras transversais deles estavam sendo esquecidas, aí a gente, é então que a gente vai trabalhar, também, essa questão das transversais, trabalhar com eles justamente isso, dentro do, do Tucunduba, né?! Somente da questão do, foi quando o Edmilson assumiu, quando ele veio trazer a proposta do Tá Selado, foi dentro do Ta Selado, a gente foi levar a nossa proposta realizada, levar a nossa, a nossa proposta da, do saneamento, sinalização e a drenagem do canal (Entrevista realizada em 07/07/2024)

As narrativas desta e da subseção anterior mostram o compromisso e a responsabilidade da Dona Oriana com a sua comunidade, sua sensibilidade em relação aos problemas que a afetam e sua proatividade social (Sahnem, Macke, Bertolini, 2011; Goldsby, Kuratko, Bishop, Kreiser, Hornsby, 2018), manifesta na sua disposição para a ação coletiva e capacidade de identificar e mobilizar a população para a ação planejada, assim como pelo comportamento que intenciona alcançar mudanças sociais positivas, que impliquem na melhoria das condições sociais da coletividade, atributos que estão presentes entre as principais características dos líderes comunitários, transformacionais e democrático (Goulart, 2006; Herbert, 2007; Ornelas et al, 2013; Lopes, 2021; Oliveira et al, 2023).

Nesse sentido, Oliveira et al (2023, p. 421) observam que “ao assumir, muitas vezes, o papel de “braço forte” da comunidade, a liderança se revela como uma figura ancorada na defesa de princípios próprios da coletividade, dentre os quais tem destaque a militância pelo bem comum, a luta pela união entre as pessoas do local e o estímulo à participação social”. E, de fato, a narrativa de Dona Oriana também revela uma pessoa de princípios coletivos autênticos e valores democráticos fortes.

 

A relação com o grupo: valores democráticos e mútua motivação

“Lutar sempre”, “Tucunduba Pró-Lago Verde”, “Tá Selado” são alguns dos “movimentos” e “coletivos” recentes “encampados” por Dona Oriana e seu grupo. No decorrer da entrevista, perguntamos à dona Dona Oriana se ela exerceu ou exercia algum cargo de direção nos “movimentos” e “coletivos” dos quais participava. Ela respondeu prontamente que “não, nunca foi a minha pretensão participar de centros comunitários, Associação de Moradores, qualquer coisa assim que envolvesse cargos eletivos, assim, né!? Digamos nunca foi a minha proposta”. Continuamos indagando para ver se ela se aprofundava neste assunto: “Então sua proposta foi em ficar mais no movimento que a gente chama de horizontal? Perguntamos, no que ela respondeu, de modo taxativo: “Exatamente!”.

Em sua entrevista, Dona Oriana enfatiza que as decisões tomadas nos “coletivos” e “movimentos” em que ela participa são sempre participativas e que não existe uma relação hierárquica nestes grupos, apenas um coordenador, denominado de “principal”, que não exerce uma posição de superioridade ou mando, mas de iniciativa pela mobilização do grupo: “Sempre que tem algo pré-planejado a gente faz reuniões na casa do nosso coordenador, né?! Que a gente coloca ele como principal, porque a gente reuni na casa dele, e é ele quem puxa essas reuniões, e ai então reuniões de 15 em 15 dias, não são assim nada ordinário”.

Como não há hierarquia e não é uma organização formal, essas reuniões ocorrem “sempre que aparece alguma demanda, ou, então, que a gente já tem algo aprovado dentro do instituto que a gente vai executar, precisa se reunir para ajustes, né?! A gente faz reunião”. Essas reuniões coroam o processo decisório participativo, porque “o nosso foco é Participação Popular, a gente pensa, porém, a gente executa junto, né?! Não deixa ninguém de fora”.

A narrativa de Dona Oriana ao longo da entrevista leva a entender que o “foco na participação” cumpre uma função tanto democrática quanto de fortalecimento do “movimento” e de incentivo ao engajamento mútuo (Goulart, 2006; Herbert, 2007; Ornelas et al, 2013; Lopes, 2021; Oliveira et al, 2023), isto é, do grupo e da liderança. Assim, o engajamento é retratado como uma energia que mobiliza todo o grupo:

Tínhamos, então, O Grito Terra Firme. Ele foi, assim, um clamor mesmo, quando eu via a população engajada, unida, fortalecida para que a gente conseguisse essas conquistas. Então foi um movimento, assim, que realmente mexeu com todo bairro, todo mundo tava muito mesmo engajado” [...]. Nossa, uma coisa maravilhosa, sabe?! E, aí, quando avançamos nisso, não ficou parado, aí a gente foi, justamente, encampar a questão da unidade de saúde, aí fomos para lá, ocupamos o espaço, fizemos uma reivindicação, chamamos imprensa, então, a gente tinha muito essa questão, também, né?! De chamar impressa, aí a gente vinha, fazia é movimento mesmo, de acampamentos, de revezamento de pessoas, então, quer dizer, era uma coisa, assim, muito forte lá atrás, sabe?! Muito forte, e aquilo ali motivava a gente na participação (Entrevista realizada em 07/07/2024).

Diferentemente, a entrevistada deixa claro que a falta de “engajamento” do grupo também a desmotiva no mesmo sentido. Assim, ao explicar sobre seu momento atual de menor “engajamento”, ela diz que é “porque eu vejo que a gente tem pouca aderência, porque eu vejo que a gente tem pouca adesão dos moradores, então, às vezes, são lutas, como é que eu posso falar?! Que traz para a gente desgaste”. Por conta desse “desgaste”, ela prefere se afastar do “movimento”, mas não totalmente, porque ainda permanece dando seu apoio a ele:” então, quer dizer, se torna uma coisa bem cansativa mesmo, e aí quando a gente vê que não tem essa adesão, principalmente dos mais atingidos, isto me desmotiva, ai eu me afasto e fico somente no apoio” (Entrevista realizada em 07/07/2024).

Essa mútua motivação para a “luta” também fica evidente quando ela fala de uma das lutas recentes na qual está “engajada”, no âmbito do movimento Tucunduba Pró-Lago Verde, que é a questão do remanejamento de famílias de áreas afetadas diretamente pela macrodrenagem da bacia do Rio Tucunduba. Segundo ela, “aqueles que estavam diretamente atingidos eles não lutaram com a gente, eles queriam que a gente fosse brigar por eles, lutar por eles, conquistar por eles, entendeu?!”. Devido à falta de engajamento dos principais interessados nesta “luta” ela “já tava adoecendo. “Sinceramente, foi por isso que eu me afastei, pedi para me afastar, porque eu já não tava mais conseguindo, eu já estava adoecendo por conta dessa, da falta de adesão, chamar a reunião para a gente tentar sentar e ninguém aparecia”.

A partir da Pandemia de Covid-19, os integrantes dos “coletivos” e “movimentos” passaram a utilizar, cada vez mais, aplicativos de conversa e redes sociais para manter o processo decisório participativo: “E aí veio a pandemia, parou tudo. Nós ficamos só nos zaps da vida, fazendo reuniões virtuais para não deixar esmorecer”.

Dona Oriana salienta que, com os aprendizados adquiridos com o uso destas novas tecnologias durante a Pandemia, os “coletivos” e “movimentos” passaram usar estas como ferramentas de divulgação e mobilização, de modo que, atualmente:

nós temos tudo que é rede social, a gente faz, a gente faz, como é que se diz? Fazer a divulgação daquilo que a gente planeja, daquilo que a gente projeta, daquilo que a gente quer executar, justamente porque a gente precisa dar essa notoriedade, porque não adianta a gente ficar, também, lá no nosso grupinho, né?! Eu diria que, hoje, a gente utilizamos muito mais as redes sociais para convidar as pessoas, a gente também faz reuniões virtuais (Entrevista realizada em 07/07/2024).

Deste modo, presenciais ou “virtuais”, as reuniões ajudam aos membros a estreitar e alinhar a comunicação entre eles, “divulgar” aquilo “que a gente planeja”, garantir a participação, fortalecer o “engajamento”, a cultura política democrática, horizontal, os valores e responsabilidades do grupo com a comunidade e os problemas locais que precisam ser enfrentados (Goulart, 2006; Herbert, 2007; Ornelas et al, 2013; Lopes, 2021; Oliveira et al, 2023).

Na sequência de sua entrevista, indagamos Dona Oriana sobre a política profissional, formal e partidária. Pode-se observar que, com base em sua a partir deste modo horizontal e informal de fazer política comunitária, ela desenvolveu uma percepção específica da política partidária: diz que, apesar de ser “filiada ao PT desde 1996”, no âmbito partidário é “apenas militante”, querendo dizer que não faz política partidária, até porque ela não possui boas memórias deste tipo de política, uma vez que:

a partir de um certo tempo, começou a haver muitas causas atrelando muita questão da política partidária mesmo entendeu?! Porque, até então, a gente fazia uma política que era comum, era uma política para todos, para o benefício de todos. A partir de um certo tempo, a gente começou a verificar uma política que ela foi se dividindo, aonde eu consigo, ali, de forma bem discreta, conseguir algo do meu interesse particular [...]. A partir de que, quando começou a atrelar uma conquista da Comunidade ao nome de alguém, ai as coisas começaram a ficar ruim. Até então a gente estava fazendo um movimento de comunidade, sem atrelar a fulano a ciclano, e depois quando começou movimento partidário ficou um movimento personalista (Entrevista realizada em 07/07/2024).

É possível compreender a percepção negativa de Dona Oriana sobre política partidária a partir da cultura política de governança igualitária e descentralizada dos movimentos sociais dos quais ela participou e participa. Por outro lado, esta percepção aponta tanto para a importância central que ela atribui à política comunitária informal, democrática, inclusiva e participativa nos processos de decisões, quanto para uma preocupação com a coesão, os valores, as pautas e finalidades dos “movimentos” e “coletivos” dos quais ela participa.

Nesse contexto, sua recusa em ocupar cargos hierárquicos ou posições de mando reflete sua firmeza com os valores democráticos comunitários, com uma política voltada para o bem comum e avessa à política instrumental, alinhada a “algo do meu interesse particular”, a qual desvia o foco do coletivo para o “personalista”.

É importante observar que a horizontalidade e a estrutura de governança descentralizada, participativa e inclusiva são características típicas de “movimentos” e “coletivos” informais, que nascem espontaneamente, a partir da identificação de problemas práticos da comunidade e da necessidade de os enfrentar (Lüchmann, 2012; Oliveira et al, 2023). Tal modelo de governança foge aos padrões teóricos clássicos, inclusive o bourdiesiano (Fernandes, 2010), que privilegiam a capacidade do líder impor sua influência e poder de modo instrumental, excludente, não-participativo e em favor de interesses pessoais ou particulares (Lüchmann, 2012; Ornelas et al, 2013; Lopes, 2021).

Esta subseção do estudo apresenta múltiplas camadas do estilo de liderança da Dona Oriana que a deixam transparecer o caráter da sua liderança comunitária, por ser eminentemente centrada no coletivo, como fica bem explícito no encanto e desencanto para a ação decorrente diretamente da motivação ou desmotivação do grupo, assim como na motivação coletiva das lutas e no caráter dialógico, participativo e inclusivo da sua liderança. Há componentes situacionais e transformacionais: a leitura e adaptação das ações para um contexto novo e desafiador, como a pandemia; a permanente luta pela transformação da realidade social de seu bairro; a busca por cidadania e emancipação prática. Há, ainda, um componente eminentemente feminino, explícito na sua visão sistêmica dos problemas do bairro, sua postura descentralizadora, comunicativa, na sua motivação para a cooperação, solidariedade e na sua compreensividade e humildade.

 

Conquistas práticas

Durante seu engajamento na década de 1990, no âmbito do Grito da Terra Firme, “conseguimos as conquistas, tiramos as estivas, começou a ser aterrado as ruas, a COSAMPA entrou fazendo a ligação de água encanada precária, tudo precarizado, mas, para a gente, aquilo ali já era um alento, entendeu?!”. Apesar de “precária”, a “água encanada” foi uma conquista crucial para melhorar a qualidade de vida dos moradores do bairro:

poder tomar um banho de chuveiro né?! Que a gente não tinha água na pia para lavar a louça, coisas que, aparentemente, para outras pessoas, totalmente assim, normal, né?! Para gente que estava aqui, carregando água todo dia, carregando 24 horas, carregando água para lavar roupa, quando a água chegou na minha porta, no cano baixo, aquilo ali para a gente já foi, nossa, uma coisa maravilhosa (Entrevista realizada em 07/07/2024).

Como a “sociedade é dinâmica” e exige permanecer na luta, após essa conquista o coletivo Grito da Terra Firme passou a lutar por outras causas igualmente importantes para melhorar a qualidade de vida e o bem-estar social da população: “E aí então a gente conseguiu escolas, conseguimos a unidade de saúde, conseguimos a retirada das estivas, e começar o aterramento das ruas”.

Dona Oriana recorda que a “Listelina era a única escola que tinha aqui próximo dos meninos, então toda essa área para cá, que já estava naquele momento ocupada, as crianças tinham que ir muito longe para escola”. Deste modo, levar escola para o bairro era fundamental para melhorar o acesso das crianças ao ensino escolar. E, assim, este coletivo conseguiu a “Escola Moreira”, um anexo da “Escola Fontineli”, além da Escola “Parque Amazônia”, esta última, segundo ela, “era referência, coisa mais linda, construída tudo em estilo Cabano[6]”.

Ao longo da entrevista, Dona Oriana pontua diversas outras conquistas para a comunidade decorrentes da sua “luta” junto aos “movimentos” e “coletivos”, tais como o “remanejamento das famílias” afetadas pelas obras de macrodrenagem da bacia do Rio Tucunduba “e, ainda, a indenização das casas”.

A entrevistada salienta que essas conquistas foram fundamentais para proporcionar justiça social às pessoas que estavam sendo remanejadas no âmbito dessa obra, porque

As pessoas estavam saindo daqui para outros lugares, sem levar em consideração vínculo com o bairro, a sua renda, seu local de renda, porque pessoas que tem uma mercearia, batedeira de açaí, pessoas que vivem na feira Baiucas, nada disto estava sendo levado em consideração, tava só tirando isso daqui e jogando para outro lugar, sem dar para ele nem uma perspectiva de como eles sobreviveriam (Entrevista realizada em 07/07/2024).

Além disso, como mostrado anteriormente, durante a Pandemia do Covid-19, ela e seu “coletivo” Lutar Sempre conseguiram alimentos para pessoas e famílias que estavam passando necessidades. Ao fim da pandemia, “nós passamos a fazer essa distribuição de sopa ai, graças a Deus” isto é, o grupo continuou distribuindo alimentação, só que, agora, nas feiras para pessoas em situação de rua ou extrema pobreza.

Além da contribuição com sua militância nos “coletivos” e “movimentos”, Dona Oriana é formada em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e grande parte de sua atuação profissional é voltada, também, para contribui na resolução dos problemas da população do bairro:

Eu contribuo com a minha profissão, né?! Então, mais na questão no bairro eu tiro muito mais pela minha profissão do que pela minha atuação enquanto movimento social, eu contribuo na conscientização, prevenção, proteção mesmo da saúde, né?! E aí eu acho que, assim, dessa forma, contribuo bem (Entrevista realizada em 07/07/2024).

Portanto, a narrativa de Dona Oriana mostra que sua liderança também repousa sobre conquistas e benefícios práticos para a comunidade, mostrando como lideranças comunitárias, “movimentos” e “coletivos” de “luta” podem ensejar mudanças sociais transformadoras em contextos marcados por vulnerabilidades, desigualdades sociais estruturais, carência de recursos públicos e negligência estatal.

Mesmo conquistas que podem parecer “pequenas” em contextos sociais mais abastados, como “tomar banho de chuveiro”, “lavar louça na pia”, ter água na “torneira” de casa, para populações que vivem em situação de extrema privação de recursos e vulnerabilidade social elas podem representar uma revolução na sua qualidade de vida e bem-estar social.

Mais uma vez, nessa subseção, o caráter comunitário transformacional de sua liderança fica evidenciado pela luta em defesa de conquistas coletivas, motivada para a transformação e a emancipação social de seu bairro.

 

Considerações finais

Dona Oriana é uma liderança que, com sua “luta” e seu “engajamento” em “coletivos” e “movimentos”, ajudou a transformar o bairro da Terra Firme em um local mais digno e habitável para a população. Ela possui características típicas de uma liderança comunitária democrática e transformativa, ao mesmo tempo em que muitos aspectos de sua liderança podem ser atribuídos à sua formação de gênero.

As análises anteriores evidenciaram uma líder sensível aos problemas do seu bairro, com uma visão clara e sistêmica das demandas sociais locais, exposta às flutuações de humor do grupo, que orienta sua ação por valores de justiça social, humildade, solidariedade, bem comum, horizontalidade e honestidade, assim como pela participação, comunicação, inclusão, cooperação, mudança social positiva, manutenção e o fortalecimento do grupo.

O contexto no qual sua liderança foi construída, marcado por situações generalizadas de vulnerabilidade, precariedade e injustiça social, é propício para este tipo de líder, pois solicita pessoas que vocalizem e canalizem as demandas coletivas, mobilizem a comunidade para lutar por cidadania e viabilizem ações para mitigar as adversidades.

Outrossim, a liderança de Dona Oriana não é obra do acaso ou de características pessoais inatas superiores, mas uma construção social associada a fatores múltiplos como: seu engajamento político inabalável, sua persistente dedicação às causas sociais comunitárias, a constituição de redes de relacionamento ou capital social eficientes, a conquista de melhorias para a população, o reconhecimento espontâneo da população local de sua liderança e, assim, a percepção social local do seu papel e da sua função de líder comunitária devido às conquistas sociais decorrentes de seu engajamento e suas ações.

O estudo mostra, ainda, que certas características da sua personalidade contribuíram para a sua consolidação como líder comunitária e reforçam seu estilo de líder comunitária transformacional: a persistência, vinculada a um profundo senso de justiça social e à inquietação que lhe causam as profundas injustiças de seu bairro; a proatividade social, manifesta em sua disposição incansável para a mobilização e a luta por transformação social; o senso de compromisso e responsabilidade coletiva, expresso no engajamento cívico e na defesa intransigente dos interesses e das necessidades da população local; a sensibilidade às necessidades da população local, manifesta na permanente observação da realidade local, na detecção de problemas recorrentes ou emergentes e na mobilização da população para viabilizar soluções a estes; a capacidade de mobilizar a população em defesa de interesses comuns, refletida em inúmeros movimento, eventos, assim como em ações coletivas nas quais ela teve papel de protagonista; e, ainda, o voluntarismo de sua liderança, que atesta a autenticidade de sua liderança, pautada por valores e interesses coletivos.

Quanto ao padrão de relacionamento com seus seguidores ou grupos, a liderança de Dona Oriana foi consolidada por três aspectos básicos: uma relação horizontal de liderança, onde é priorizada a inclusão e a participação igualitária como fatores de influência e mobilização do grupo; a mútua motivação, na qual a mobilização ativa da comunidade, o entusiasmo pelas causas defendidas, o engajamento das pessoas, a energia e a força do grupo foram fatores decisivos para seu próprio engajamento cívico, sua confiança no grupo e sua motivação para lutar pelas causas coletivas; e, os benefícios coletivos advindos de conquistas sociais práticas para a comunidade a partir de ações por ela protagonizada.

Além de seu compromisso com o coletivo que representa, sua formação acadêmica lhe proporciona um tipo diferente de liderança comunitária que consegue unificar a experiência vivida no bairro com a formação profissional critica em ensino superior.

Outrossim, os resultados indicam, também, que sua condição de mulher, sua trajetória de gênero fortaleceu essas características de liderança comunitária democrática e transformacional. Deste modo, o estudo evidencia o equilíbrio entre fatores pessoais, formativos e contextuais, isto é, qualidades pessoais, trajetória de gênero, contexto social, qualidade das relações, práticas e conquistas para a formação desta liderança.

Em resumo, a liderança de Dona Oriana constitui um típico caso comunitário democrático e transformacional mesclado a disposições de gênero, no qual valores democráticos e de transformação social se aliaram a práticas concretas de mobilização coletiva por justiça social. Sua liderança evidencia a capacidade de mobilizar, engajar e incluir a população para alcançar melhorias sociais coletivas. Formada em um contexto de vulnerabilidade e precariedade social, essa liderança combinou proatividade social, visão sistêmica, sensibilidade com os problemas locais, compromisso e responsabilidade coletiva, inclusividade, descentralização, voluntarismo e exemplo pessoal para inspirar confiança e mobilizar seus seguidores.

 

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[1] Identificador persistente ARK: https://id.caicyt.gov.ar/ark:/s25250841/t8fm11uxt

Fecha de recepción: 16/12/2024. Fecha de aceptación: 10/06    /2025

[2] Mestrando em Ciência Política em Universidade Federal do Pará (UFPA)

Brasil

https://orcid.org/0000-0002-6488-9617

anthony.matos@ifch.ufpa.br

[3] Universidade Federal do Pará

Brasil
https://orcid.org/0000-0001-9495-3061
fernandanummer@gmail.com

[4] Nome fictício.

[5] O “Tá selado” é um fórum de participação cidadão criado no ano de 2022 pelo governo com intuito de promover o diálogo entre a população e a prefeitura de Belém para a avaliar propostas de investimento e reformas em serviços públicos que irão orientar a gestão da cidade de acordo com as prioridades elencadas pelos conselheiros eleitos pelo moradores dos bairros.

[6] Cabano é uma referência aos participantes da cabanagem, uma revolta popular que ocorreu entre 1835 e 1840 na Província do Grão-Pará, no Brasil. Eram formados por indígenas, negros, brancos pobres, elite dissidente e o povo mestiço pobre. A Cabanagem é uma referência para os movimentos populares do atual estado do Pará Brasil, porque, com ela, o povo conseguiu, por um curto período, chegar ao poder da província (Rodrigues, 2019).